quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Renascida das cinzas




Era quarta-feira de cinzas. Pela primeira vez desde que vim morar nos EUA, não me ressenti por não ter passado o carnaval na beira da praia, torrando ao sol de Cabo Frio, sobrevivendo de miojo e vinho. Pela primeira vez em anos eu não senti uma pontinha de inveja das amigas que até hoje exibem o corpinho sarado e dourado nas fotos que mostram seu sorriso ao lado de outros amigos em algum lugar paradisíaco no qual passaram o feriado prolongado, desejado, esperado e planejado o ano inteiro. Pela primeira vez eu não havia passado os cinco dias de carnaval maldizendo o frio de Connecticut, a neve, o trabalho que não tem folga em fevereiro ou a pele ligeiramente amarelada debaixo do suéter. Tampouco tive tempo de vasculhar a memória e ressuscitar os “melhores momentos” dos carnavais da minha vida, os amores passageiros, os porres, as decepções, as aventuras, as praias. Também esqueci das músicas marcantes, dos poemas, melodias e cheiros daquela época, que agora parece tão remota.


Só me lembrava de que era quarta-feira de cinzas e de que amanhecera mais um dia no hospital onde minha filhinha de 2 anos e meio estivera internada desde sábado de carnaval por conta de um vírus que a deixou, entre outras coisas, desidratada. O corpinho frágil deitado no bercinho gelado do quarto parecia cada dia mais fraco. Levantei-me como que apoiada em algo ou alguém que não via, mas pressentia estar ali. Aproximei-me dela e pude perceber que seu peito já não mais arfava, a respiração estava calma. Seus lábios voltavam a ter cor e já não estavam mais rachados. Embora tivesse fundas olheiras, seu rosto não estava mais inchado. Sussurrei-lhe com doçura, com uma certeza que vinha de dentro do peito – não dos médicos – e que desejava sair no grito: “Hoje vamos para casa, meu amor.”
Aproveitando que ela dormia, decidi tomar meu banho. De dentro da bolsa que trouxera para o hospital, tirei o meu suéter rosa. O suéter que comprei para ir a uma festa a qual jamais compareci. O suéter rosa, de gola vê, com delicados detalhes em paetê. Era quarta-feira de cinzas, e eu decidi que vestiria aqueles paetês, e aquela cor vibrante. Decidi que tomaria meu banho e que, cheirando a sabonete, daria bom dia a minha filhinha com um sorriso. Eu tinha certeza que a levaria para casa naquele dia. Nenhum outro.
Em casa, um marido exausto e um bebê de sete meses doentinho nos esperavam. Eles também precisavam de mim e eu deles. Sim. Iríamos, os paetês, a filhinha e eu, ao encontro do anjinho e do papai.
Durante a manha toda, minha filha sorriu. Não vomitou, bebeu líquidos e fez xixi. Ensaiou umas dentadas na comida sem-sal do hospital e sentou-se no meu colo. Ela também sabia o que os médicos só decidiriam à tarde: ela iria para casa.
Às 4 horas da tarde de quarta-feira, a médica deu-lhe alta. Atravessei os corredores do 7o andar do hospital infantil segurando uma versão esquelética da filhinha amada que dera entrada dias antes naquele quarto que íamos deixando para trás. A cada passo sentia as asas crescerem e se abrirem. Tal qual fênix, eu levantava vôo das cinzas, naquela quarta-feira. Saíra ferida, mas vitoriosa: rosa, paetês e esperança no peito, e carregando meu maior tesouro nos braços.

5 comentários:

Juliêta Barbosa disse...

Carla,

Pensei em rezar por você ao ler o seu texto, mas desisti ao ver que Deus em sua misericórdia havia lhe emprestado as asas de um anjo. E, ao final, eu é quem tinha sido presenteada pela passagem de um ser humano tão lindo e tão forte, em meu caminho. Ficou de suas palavras, um exemplo a ser seguido.Saúde para sua filhinha!

Romanzeira disse...

Olha, vou dizer, criança e uma coisa. Lembro que meus sobrinhos, nessa idade entre 1 ano e meio e 3 anos, sempre viviam tendo essas viroses. Quem mais me preocupava era o Marvin, que era (e é ainda) muito chatinho pra comer. A cabeça dá voltas, a gente fica desesperada.
Mas que bom que a pequena ficou bem. Saude pra ela!
bjs.

Kareem disse...

Oi Carla,

Muito Obrigado por tudo. Você e muito simpatico, muito carinhosa (not sure if thats a word) e tem muito amor por tudo mundo.

Eu te amo muito. E amo sua palavras muito. Descuple por meu Portuguese

Carla S.M. disse...

Juliêta,
Obrigada pelas palavras. Tenho certeza que recebi ajuda divina, pois acho que o Altíssimo nuca nos abandona.

Romanzeira,
Realmente criança dá muita preocupação. Mas dessa vez eu tive medo por um instante. Ainda bem que tudo passou.

Kareem,
Que bom ter você aqui. Não se desculpe, seu português está ótimo (and yes,carinhosa is a word).
Te amo muito.

Juliêta Barbosa disse...

Carla,

Entrei para saber notícias de sua filhinha e qual não foi minha surpresa ao ver o meu blog entre os que você escolheu para visitar. Muito obrigada! Peço a Deus que abençoe você e sua família. Feliz dia das Mulheres!
Ah, tem um blog de uma jornalista do Rio de Janeiro que é simplesmente fantástico:transFlormar-la. Visiti-o, você vai gostar.