quarta-feira, 24 de junho de 2009

Spinning

Girando girando
A vida girou
Diante dos olhos
Girou girou
As meninas
E seus sorrisos
Girando Girando
No peito
O coração
Girou girou
A verdade e
A consequência
Brincando e girando
O pavor e o clamor
Girando girando
O cheiro de chuva
O abismo e a janela
Girando girando
Tudo
Parou.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Cor-de-rosa


[Trecho]
Segundos após o soar do sino da saída, os corredores da escola foram completamente tomados pelas crianças sadias que corriam felizes e barulhentas ao encontro dos pais que já as aguardavam nos portões.
Luiza estava mais ansiosa que o normal naquela tarde e isso era possível perceber no seu gesto nervoso de chacoalhar as chaves do carro. De onde estava podia observar os grupos de mães que conversavam entre si, muito animadas, com seus belos cabelos escovados, suas roupas de grifes famosas, suas bolsas caras, conversando sobre suas vidas interessantes, seus problemas água-com-açúcar, seus esposos bem sucedidos e seus filhos hiperativos. Ela também já desejara aquela redoma de vidro, aquela peneira tapando o sol. Admitia sem vergonha que sonhara secretamente com aquela vida clichê e cor-de-rosa, a qual ignorava o sofrimento alheio, que fingia desconhecer as dores que assolam o resto da humanidade, os problemas sociais, o caos urbano e a política, para se dedicar exclusivamente ao marido e aos filhos. Também ela sonhara com a vida dos romances para moças,com as juras de amor, com o casamento perfeito, os jantares à luz de vela, o amor que dura a vida inteira.
Arriscaria dizer que, caso não tivesse sido tragada pela realidade há seis anos atrás, talvez até fizesse agora parte daquele grupo de jovens senhoras risonhas que evidentemente interpretava de forma elegante seu papel na sociedade. Riu de seu próprio sarcasmo e aprumou-se, voltando sua atenção para a porta da escola. Juliana não tardaria a aparecer.
Reconheceu então a figura da filha tão caprichosamente penteada, segurando a mão de uma amiguinha com quem conversava alegre, enquanto, ao contrário das outras crianças, caminhava calmamente em direção ao pátio. Ao vê-la, Juliana despediu-se da amiga com um abraço e só então precipitou-se a correr em sua direção.
Ela havia esperado por aquele abraço de criança durante todo o casamento. Planejara tudo como era de seu costume: escolheu nomes, calculou seus dias férteis e até a data aproximada do nascimento do bebê que haveria de coroar seu feliz matrimônio. Preparou seu próprio chá de bebê, decorou o quartinho com amor e requinte e escolheu com carinho cada peça do enxoval. Juliana fora muito esperada. O que veio depois dela não.
Perguntou-lhe como havia sido seu dia e, levando-a nos braços, ouviu com atenção cada detalhe do seu relatório infantil, beijando-lhe as faces rosadas entre uma história e outra até alcançarem o carro. Era sexta-feira, e Juliana passaria o sábado com o pai, como o combinado. André, apesar de tudo, estava presente na vida da filha.
Antes de irem para casa, deram um pulo na farmácia do bairro. Precisava da cura para sua ansiedade e teria o sábado todo para tratá-la. Além disso, queria saber a resposta antes de seu rápido encontro com o ex-marido.
Já na entrada do estabelecimento, Luiza percebeu alguns olhares curiosos, com os quais há muito se habituara. Ignorou-os como sempre e ainda segurando a mãozinha da filha interpelou o farmacêutico sem constrangimento quanto aos testes de gravidez. Pousou os olhos num dos kits por longo tempo, perguntando-se como deixara aquilo acontecer. No fundo, sabia que não necessitava daquele teste. Tinha absoluta certeza de que carregava um filho de André e isso causava-lhe imenso pavor. Passou a mão pelos cabelos de Juliana e pela primeira vez teve medo.
Por fim decidiu levar o teste e enquanto pagava por ele ouviu um riso solto de criança.
__ Olha, mamãe – disse divertido um garoto, apontando para Juliana. Que menina engraçada.
__ Não ria, meu filho. – respondeu a mãe. Não vê que a menina é doente?
__ Ela não é doente. – replicou Luiza com voz firme. Ela nasceu com Síndrome de Down.
E saiu da farmácia com Juliana sem olhar para trás.


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