segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Mudanças


Poema de mudança

" Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
muda-se o ser, muda-se a confiança;
todo o mundo é composto de mudança,
tomando sempre novas qualidades.
Continuamente vemos novidades,
diferentes em tudo da esperança;
do mal ficam as mágoas na lembrança,
e do bem (se algum houve), as saudades."

Luís de Camões, Lírica



Sempre que um ano se acaba, além da rápida conclusão a que chego após rever os fatos e acontecimentos pessoais daquele ano perdido (perdido sim, pois a mais significativa conclusão é sempre a de que o pretérito foi perfeito, e de que os segundos, dias e os anos não voltam mais), paro e penso se sou mesmo quem eu quero ser e se faço o que gosto de fazer. Mas a resposta é sempre negativa.
Não que isso me deixe arrancando os cabelos, tampouco depressiva. Simplesmente procuro analisar quem sou e porquê sou assim e não assado. O que me falta para ser quem eu queria e para fazer o que gostaria.
Após explicar a mim mesma, com a já manjada desculpa, que sou fruto das oportunidades as quais me apareceram e continuam a aparecer ou não; que, por exemplo, nunca tive talento nem coragem suficiente para ser outra coisa diferente do que sou hoje, reconheço velhas e novas falhas e traço algum plano semi-(in)falível do qual me esquecerei antes da metade do ano novo. Pronto. Vou encarar o ano novo cheia das velhas esperanças e expectativas de sempre.
Mas neste final de ano resolvi assumir. Eu acho que gosto um pouco de quem eu sou, sim, mas nunca quis admitir. Talvez porque sonhei outros sonhos ou porque presumi que deveria ser mais ou melhor para os outros. Enfim, analisei friamente e decidi que eu não sou quem desejei ser, mas sou quem sou e estou bem assim. Gosto e às vezes chego até a amar o que faço, embora não seja reconhecida moral ou financeiramente por isto. Tudo bem. O que importa é que acordo diariamente renovada, sem sem sequer haver dormido (é que os bebês de 5 meses ainda não entendem bem a necessidade das 8 horas de sono materno), e que, sem notar ou fazer força, dou tudo de mim nos papéis que exerço: mãe, esposa, professora, filha, amiga etc. É que eu não sei ser diferente. Mas também, por quê o seria?
Assim, afora perjurar comer menos doces e voltar a malhar, prometo que em 2009 vou continuar a ser eu mesma, aprendendo com alguns erros e comentendo tantos outros. Prometo que continuar sendo desse jeito. Enfim: prometo a mim mesma não mudar nada, só deixar que 2009 venha e flua, dando continuidade na corrente da minha minha vida.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O menino e a guerra

Natal é uma data triste. É quando eu lembro que estou longe da família no Brasil. É quando olho pela janela e vejo neve (coisa que pouco me impressiona e muito me entristece). É quando eu reconheço que fiz pouco ou quase nada para o meu próximo no ano que está prestes a terminar. É quando recordo que as guerras, a miséria, a violência, o descaso com o ser humano e a degradação do planeta não só aumentaram, como parecem intermináveis.
Nessa data eu me lembro que inventaram e depois comercializaram um dia pagão como sendo o do nascimento de um menino que virou mestre e ensinou amor, desapego e pacifismo. Por isso, no Natal eu não tenho memórias boas ou más. Apenas estas tristes lembranças. Apenas uma vaga tristeza, arrependimento e um pouco de culpa. Meu sentimento está mais para o “Poema de Natal” de Vinícius, que para “jingle bells”.
Mas a vida ainda é boa, não? Isso eu lembro quando vejo minhas filhas dormindo. O que ensinar-lhes? O que deixar-lhes? O melhor presente de Natal que posso lhes oferecer é o amor e a paz que aquele menino-mestre ensinou.





John Lennon - Happy Christmas (War Is Over)



So this is Christmas
And what have you done
Another year over
And a new one just begun
Ans so this is Christmas
I hope you have fun
The near and the dear one
The old and the young

A very merry Christmas
And a happy New Year
Let's hope it's a good one
Without any fear
And so this is Christmas
For weak and for strong
For rich and the poor ones
The world is so wrong
And so happy Christmas
For black and for white
For yellow and red ones
Let's stop all the fight
A very merry Christmas
And a happy New Year
Let's hope it's a good one
Without any fear
And so this is Christmas
And what have we done
Another year over
And a new one just begun
Ans so this is Christmas
I hope you have fun
The near and the dear one
The old and the young
A very merry Christmas
And a happy New Year
Let's hope it's a good one
Without any fear
War is over over
If you want it
War is over
Now...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O reencontro



Nas raras vezes em que tenho tempo para limpar esta ou aquela gaveta, organizando ou fingindo organizar a minha infinita e onipotente “papelada”, sempre sou felicitada com alguma surpresa boa. Sabe aquela sensação vitoriosa de encontrar alguma nota de dinheiro - da qual você nem havia dado falta - no bolso da jaqueta guardada e cheirando a naftalina? Pois as minhas descobertas são ainda mais prazerosas. Morando tão longe de uma terra e de uma gente tão queridas, não raro me sinto emocionada, quase às lágrimas mesmo, com os achados da minha montanha de papéis.

Às vezes encontro uma carta ou bilhete no meio das contas para pagar e me sinto tal qual uma princesa resgatada do alto da torre. Noutras basta uma capa de um cd que não ouço há décadas, um cheiro do passado num livro jogado no meio das provas para corrigir(como na música de Adriana Calcanhoto) ou uma foto no meio da bagunça para que eu me esqueça de como a vida da gente é corrida e me transporte para algum lugar agradável na minha memória fotográfica.

Da última vez foi exatamente uma fotografia. Coisa por si só surpreendente, visto que a era digital acabou com o papel. Para ver as fotos a gente precisa ligar o computador. Ninguém mais se importa em “revelar” nada. Lembra desse verbo, “revelar”? “Já revelou as fotos da festa?”, “Ainda não”. “Quantas poses tem no filme?”. “Umas 25, mas quando revelar, devem sair umas 27”. Lembra disso?

Pois é. Mas eu achei uma foto de verdade, um pouco velha e solitária, gritando por mim. Senti-me a princípio surpresa, depois culpada, e, por fim, feliz. A foto não tinha lá muita qualidade. Fora tirada por volta de 2003 com uma máquina daquelas descartável. Mas eu não conseguia colocar os dentes para dentro da boca. Ela me fazia sorrir aquele sorriso bobo, de quem se esqueceu que a vida também é interessante às vezes.

Nela um menino de uns 7 anos, cujo nome desconheço, sorria com o bracinho em volta do meu pescoço. O que me fascinava não era a foto, nem o sorriso simpático de criança ou ainda o meu sorriso jovem que naquela época ainda era moreno jambo. O que me emocionava era a lembrança de como aquele menino esperto havia passado em meu caminho e me tocado com seu cárater.

Num flasback sem música (Sim , porque geralmente os meus têm música), vi –me passeando de mãos dadas com o esposo-mais- brasileiro-que-eu no Largo da Carioca, no Rio, num dia ensolarado. Havíamos andado por Santa Teresa, pois eu lhe mostrava onde passei parte da minha vida, nos tempos de faculdade. O dia quente e as andanças convidavam-nos agora a um bom suco de açaí, o preferido do esposo. Sentados num bar vazio e antigo, sorríamos satisfeitos, na espera do suco perfeito que coroaria o dia mais perfeito ainda. Foi quando um menino de braços finos se aproximou e, muito educadamente, ofereceu suas balas de coco por 25 centavos cada. Perguntamos a ele se gostaria de tomar um suco conosco, no que ele prontamente respondeu que não, pois estava trabalhando. A resposta nos surpreendeu, principalmente, pelo tom responsável que vinha daquela pequena pessoa. Daí o esposo, parte sociólogo, parte fotógrafo, ofereceu comprar uma foto dele, que pediu uma explicação. “Ele tira uma foto tua e te paga um Real por ela”, eu respondi. Ele pensou e pensou, fixando o teto do bar. “Mas você não prefere só comprar quatro balas por um Real?”

Perguntamos, vencidos, se as balas eram boas mesmo, só para ouvi-lo falar e conhecer um pouco mais sobre sua história. Ele disse que eram as melhores balas de coco que ELE havia comido e que era sua mãe quem as fazia. Eu comprei uma para provar e concordei com ele: deliciosa! Ele contou sobre sua mãe e seus irmãos. Disse que estava na escola e revelou o que faria com o dinheiro que sua mãe lhe daria de “comissão” . “Vou comprar um rádio e um fone de ouvido no Natal.”, disse orgulhoso.

Perguntei quanto custaria comprar todas as balas que ele levava, no que o menino inquiriu “Mas por que você que comprar tanta bala?” Eu quis muito responder “Pra te ajudar”, mas pensei bem, e vi que ele não precisava nem queria ajuda.

Quando os sucos chegaram, seus grandes olhos castanhos acompanharam o homem que nos servia e quando este trouxe um copo para o “chorinho” eu insisti: “Mas você não quer nem um pouquinho? Está tanto calor.” Ele fez que não. O esposo fez outra oferta. Ele compraria 12 balas e, em troca do suco, tiraria uma foto do menino. Ficou tudo acertado. Compramos as balas e, depois que tomamos o açaí, tiramos aquela foto que eu segurava agora nas mãos.

Ele agradeceu e se despediu, muito contente com seus 3 reais. E nos ficamos ali, mudos, estáticos, já saudosos daquela figura que nunca mais encontraríamos. Mas no dia em que achei a foto eu o reencontrei, e mais uma vez ele me trouxe sua energia boa, que me valeu muito mais que qualquer nota de papel esquecida no bolso da calça. Não me lembro onde coloquei a sua foto depois disso, mas acho que foi de propósito, só para um dia ser novamente surpreendida por ela.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Elmo e as pessoas


Um dos professores que moldaram a pessoa que sou hoje e de quem guardo uma lembranca muito querida chamava-se Marcel. Não é erro de digitação, não. Marcel, mesmo, não era Marcelo. Lembra da Alice, minha professora que não vinha do país das maravilhas? Então. Marcel também era professor de Português, mas veio antes da Alice. Eu cursava a 5a. série e tinha dez anos.
Além do nome curioso, presença marcante e bom humor, Marcel tinha uma peculiaridade: referia a si mesmo na terceira pessoa. Sempre. Dizia: “Marcel vai fazer isso... Marcel vai fazer aquilo.”
No comeco achava engraçado, presumindo que Marcel fazia aquilo de propósito, de brincadeira. Mas com o tempo precebi que não. Marcel realmente dirigia-se a sua pessoa pelo nome que lhe deram.
Depois de Marcel, encontrei em minha vida poucas pessoas com o mesmo hábito e me perguntava o porquê. Gostavam assim tanto de seus próprios nomes ou havia algo de mais complexo por trás desta atitude? Teriam por acaso elas algum problema de identidade, dupla personalidade ou o quê? Será que todas possuiam baixa estima ou, ao contrário, egos superexcitados que lhes permitiam especial referência?
Foi quando me deparei com um ótimo texto de Moacyr Scliar: “Nós, o pistoleiro, não devemos ter piedade”. Nele, o narrador refere-se a si mesmo na 1a. pessoa do plural! Ainda mais intrigante. Descobri que muitos linguistas estudam este tipo de discurso e alguns o chamam de referenciação. Mas depois de ler, procurar e tentar analisar sozinha, acabei desistindo de entender e admiti que não sabia nada mesmo! No final das contas, não fazia a menor diferença, pois o que interessava é que Marcel, por exemplo, era o que era porque era e pronto!
Muitos anos mais tarde, eu, agora mãe de uma menininha muito curiosa, que tenta entender e diferenciar duas línguas totalmente distintas, enquanto aprende a se comunicar, fui apresentada a um boneco-marionete muito popular nos EUA chamado Elmo. Não é que o tal conversa com as crianças sem jamais usar a 1a pessoa?
Pronto!
E dia desses, chamando a atencão da tal menininha de nome bem brasileiro (tupiniquim mesmo!) na terra do tio Sam (tio de quem?), reparei, surpresa, que havia algo de Marcel em mim:
- Mamãe não gosta quando você faz isso!
E ela disse:
-Mamãe Carla!
Carla é uma boba ou não é?

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Déjà Vu – até quando?


A não-violência absoluta é a ausência absoluta de danos provocados a todo o ser vivo. A não-violência, na sua forma activa, é uma boa disposição para tudo o que vive. É o amor na sua perfeição.
Mahatma Gandhi


“Holocausto nuca mais”, eles disseram. Prometeram. Mas eles não foram capazes de manter a promessa para sempre.
Passou o dia assistindo televisão em vão. Canais locais e da tv a cabo. Nada. Sequer uma única menção ou notícia sobre Darfur.
Enxugou o suor frio que lhe escorria da testa, num misto de desespero e raiva. Até quando o genocídio seria permitido na face da Terra? Como era possível cometer os mesmos erros e ignorar os sinais clássicos? De que valia a união das nações cuja ajuda sempre tardava em chegar?
Em sua memória fotográfica, revia Ruanda e os milhares de corpos de tutsis exterminados por motivos cruéis e tão semelhantes à ideologia nazista de uma raça superior. Num gesto instintivo, pousou os dedos sobre o nariz, medindo-o.
Supsirou fundo. Chorou compulsivamente por alguns minutos.
Bósnia . Tibete. Cambodia. Turquia. Até quando a violação massiva dos direitos humanos se repetiria debaixo dos olhos daqueles que prometeram defendê-los?
Pensou nos indíos Kaiowá Guarani, que aparentemente valiam menos que as cabeças de gado no Mato Grosso do Sul e desligou a tv. Até quando os ganhos econômicos teriam prioridade sobre a vida humana?
Até quando as causas do genocídio seriam desprezadas?

“Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum,” (…)Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.”
(DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS Adotada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948)