terça-feira, 14 de abril de 2009

Menina Mãe


O livro era “Menina mãe”, de Maria da Glória Cardia de Castro. Eu era uma menina que adorava ler. Salma, a personagem principal, era uma menina de 13 anos que engravidara embora fosse ainda virgem. A leitura fora muito sofrida para mim, que nada conhecia sobre sexo (assim como Salma), e muito menos sobre a frieza, o preconceito e a falta de generosidade alheias.
Entre lágrimas, comentei com minha mãe sobre o livro assim que terminara. Ela, muito acanhada e tímida em relação ao assunto, resolveu ler também e, aparentemente, sentiu as mesma emoções que eu.
Dias depois, lá estávamos, mãe e filha (talvez mais próximas que antes) numa dessas manicures que toda vizinhança tem, ouvindo, enquanto esperávamos, as fofocas, as indiscrições, os comentários – ora maldosos, ora cruéis – todos desprovidos de qualquer preocupação com o direito que cada um tem de ser e fazer o que bem desejar, desde que não prejudique o outro.
Fora minha mãe quem introduzira o assunto. Um rápido comentário sobre o livro “Menina Mãe” e em questões de segundo um exército se formara contra ela, comandado pela própria manicure, que, mãe de uma menina da minha idade (11 anos), deixara bem claro que “filha sua” não lia este tipo de livro. Minha mãe ainda tentou argumentar sobre a importância educativa do livro, mas tudo em vão. Jamais me esqueci da cara de desaprovação da manicure, tampouco da vergonha muda e educada de minha mãe naquela tarde quente.
Alguns anos depois, já na faculdade, testemunhei a realidade irônica que a história de Maria da Glória Cardia de Castro retratava naquela obra: a filha adolescente da manicure engravidara e tivera um filho prematuro – sem “pai” – o qual passara seus primeiros quatro dias de vida no hospital, pois herdara a sífilis da mãe.
Embora seja humana, em nenhum momento a julguei (sequer comentei com minha mãe, que morava então em outra cidade), apenas lembrei-me da sabedoria discreta de minha progenitora, que compreendera que informar é educar e que orientar e alertar é, também, proteger.